As
nossas lágrimas folheiam os teus livros de Francisco José Viegas
A poesia, meu querido
Pina, ao contrário do que um dia a tua ironia deixou escrito num dos teus
poemas mais perfeitos, não vai acabar. Vai continuar a ser aquilo que foi a tua
vida: a celebração de uma beleza rara e inóspita, inacessível a todos os
aborrecidos que nunca nos vencerão, que nunca te venceram. Nunca te
esqueceremos. Plantaremos uma árvore em teu nome. Diremos um poema em teu nome.
Daremos estes dias em teu nome. Celebraremos o que nunca vamos esquecer: o teu
coração dedicado à poesia, aquilo que nunca se pode dizer, de tão frágil e mudo
que é. “Farewell Happy Fields”. Neste momento, nenhuma palavra que dissermos
vale a pena. Temos apenas as tuas. Os teus versos, a tua beleza incandescente,
irónica, suave, amorosa. O resto são as nossas lágrimas, que folheiam os teus
livros, a nossa grande necessidade dos teus livros e de tantos versos que
decorámos para que a vida tivesse um sentido e acaba por não ter. Escreveste
“estávamos a precisar de solidão, / de silêncio, de geometria/ e as nossas
lágrimas de uma grande razão.”
Fico tão só, fico tão
triste, fico tão abandonado, ficamos tão abandonados, ficamos tão sós. Mas em
tudo o que escreveste fica a grandeza da nossa língua e a beleza rara e difícil
das coisas a que nunca deste um nome. Contigo aprendemos quase tudo sobre a
grande arte. Aprendemos a medida do verso e a necessidade de nunca deixar de
rir. Aprendemos que nunca é tarde, afinal; que nunca deixarás de regressar às
nossas estantes, ao nosso coração, à leveza que nos mostraste, ao caminho no
meio das florestas. Aprendemos a esperar. Aprendemos a olhar. Aprendemos a ver
em ti uma honestidade belíssima e inimitável. Aprendemos que somos aprendizes
da tua capacidade de verificar a beleza das coisas e dos seus mistérios e que,
às vezes, eles se reduzem a um verso que se aproxima tão perto da beleza – que
queima, que nos deixa em transe sobre a terra, que fica gravado em qualquer
lado do nosso desespero, agora que partiste. Deixando-nos tão sós, tão sós, tão
perdidos, tão perplexos, meu amigo.
Francisco
José ViegasSecretário de Estado da Cultura
Texto publicado no Jornal de Notícias
no dia 12 de Outubro de 2012.
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