sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Artigo de opinião de Maria Alzira Seixo no jornal Público de 25-2-201
Língua Portuguesa: a hora da esperança
Maria Alzira Seixo
Os deputados não serão indiferentes à ideia de seus
filhos e netos, e todos os portugueses, se tornarem deficientes
linguísticos ‘ad aeternum’
Neste fulgor baço da terra/ que é Portugal a
entristecer/ – é a Hora!
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Elsa Triolet, esposa do poeta Aragon, escritora
também, deu um lindo e especioso título a um romance seu, em português Rosas
a Prestações. Seguindo a sua lógica de maravilhoso a conta-gotas, pode
também falar-se de esperança neste nosso tempo de desespero. Não da esperança
económica, que talvez se fique por ganhos empresariais e subidas da palavra
Portugal em gráficos de Mercados. Nem do viver melhor, para a maioria, que se
limitará a ler a notícia disso nos jornais.
Mas, se para alguma coisa serviu o 25 de Abril (neste
40.º aniversário próximo, frisarei: “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!”),
foi para instaurar a democracia entre nós e, com ela, a possibilidade de pensar
livremente, criticar, reconsiderar: para amparar e reconstruir o país. Agora,
em ruína… a precisar de tanto amparo. A precisar de clarividência e isenção.
Mas pensar e criticar faz-se com palavras, com
linguagem, com uma formação profissional prática e teórica, que se enriquece
com a cultura de cada um, feita de aprendizagem do quotidiano, da vivência
própria do indivíduo, tendo por base a escola, educação, exercício profissional,
experiência de cultura e arte, exercício da cidadania. As palavras são
manancial de riqueza: juntam a criatividade de “crescer” em diversos sentidos,
a partir das suas raízes fortes, em lógica de desenvolvimento que é tanto delas
mesmas como dos que as usam, quando respeitam o seu étimo. E reúnem-se na
família vocabular que é a Língua: o Português, cujas raízes estão no Latim e no
Grego, beneficiando de outras línguas no seu convívio. São como um chão em que
nos movimentamos, tanto quanto um firmamento de sonho, que em nós suscita
desejos e projectos, leva a sucessos e invenções. Quase sem darmos por elas,
como nos entenderíamos sem palavras fortes, não dúbias e bem definidas?
Ora já sabemos como o chamado Acordo Ortográfico as
veio maltratar, como as cortou das raízes da sua proveniência, como lhes
decepou ligações de vizinhança com línguas europeias. E antevemos vários cortes
de raciocínio (o raciocínio que leva à acção concertada!) a que tal conduz.
Reencaminhamo-nos, assim, para o “orgulhosamente sós” de Salazar e, mais do que
sós, ficamos decepados. Com a desculpa que a ortografia não é a língua (como se
ela não fosse parte integrante da língua, como a pele que cobre o corpo!), o
Acordo Ortográfico desfigura a linguagem: desmembra famílias de palavras,
estraçalha vocábulos (que parecem outros, com os quais os falantes os
confundem), isola termos que ficam lexicalmente à deriva, num oceano de
incongruências, arbitrariedades, confusões, deslocalização do sentido original,
que já não é possível perceber para se atinar de imediato com o sentido. Um
desatino!
Ficámos aleijados a escrever em português. Por
determinação da lei que impôs o Acordo Ortográfico como medida política de
aproximação com os países de língua oficial portuguesa. Os quais, afinal, enjeitam
tal medida, pois não o adoptaram! E aleijados também porque ninguém entre nós
sabe escrever segundo o Acordo, tão impossível de fixar ele é, ilógico nas suas
regras, infinidade de excepções e hipóteses de escrita múltipla. Não se
consegue fixá-las, é preciso decorar o que está correcto e o que não está! Não
há hoje quem saiba escrever em Portugal segundo o Acordo: escrevem os
correctores automáticos (ditadores mecânicos da linguagem que “faz” cultura:
como Deus a fazer um “pato” com o Diabo, num livro de Saramago; como a locutora
da TV que lança um “réto” (“repto” quis ela dizer, e não “recto”) ou como o
aluno que, lendo sobre “a Imaculada Conceção”, passa a escrito como “Imaculada
Concessão” – exemplos sem fim, que parecem anedota, se é que tudo isto o não é…
Por uma vez, as piadas deixam de fazer rir em Portugal, pois é o ser humano,
física e mentalmente, que o Acordo Ortográfico agride, já que a saúde do
indivíduo reside também na sua fala e poder de escrita, e ambas se
interpenetram.
Não vale a pena exibir mais agravos do Acordo
Ortográfico: as críticas que lhe têm sido feitas chegam e sobejam para
entendermos o seu alcance de danificação, em expressão e raciocínio, a curto
prazo (e já actual!), no falante luso. E as implicações a vir na descida do
nosso nível cultural, profissional e económico, no futuro. É uma amputação!
Quem aprovou a lei não o supunha, talvez. Embora tenha havido claros pareceres
e advertências, na altura devida – e os responsáveis fizeram, no sentido mais
próprio, ouvidos de mercador.
Mas ainda é tempo! A Assembleia da República que
aprovou esse instrumento de atraso mental não é hoje a mesma, e os que nela
permanecem, do grupo anterior, tiveram entretanto ensejo de reflectir, de
compreender. Tenhamos esperança! Os portugueses que formam esta AR podem
mostrar-se cidadãos responsáveis, que não querem depender, durante o resto da
vida, de conversores automáticos colocados em computadores, os quais ainda por
cima erram na aplicação do próprio Acordo, e o resultado é que não se fica a
escrever nem em Português nem na ortografia imposta…, escreve-se em língua que
não existe, não é a da lei, nem a usual! Os deputados não serão indiferentes à
ideia de seus filhos e netos, e todos os portugueses, se tornarem deficientes
linguísticos ad aeternum, com os custos que isso acarretará, em
atraso e marginalidade decorrente, para Portugal. “Medida política”, isto?!
Tal medida, impensadamente aprovada em 2008, que
desfigura a fisionomia do Português, vai ser reexaminada na Assembleia da
República no próximo dia 28, graças a mais uma Petição de cidadãos que
pretendem desvincular-se do Acordo Ortográfico, recebida por este órgão de
soberania. Esse pode ser um dia de efectiva recuperação para o nosso país, e o
28 de Fevereiro ser data marcante da democracia, como efectiva participação do
povo na res publica! A esperança é a última a morrer? Talvez, mas…
quem espera sempre alcança. Em Rosas a Prestações, as heroínas,
jovens raparigas belas, ambiciosas e ignorantes, deitaram tudo a perder. Porque
a sua esperança se apoiava em gestos de exibição social, aparência física de
vazio interior e relações de interesse… e tudo isso, se não tem linguagem
segura a apoiar o indivíduo e a torná-lo gente, estilhaça-se. Esse é um romance
que foca a falência humana pela incapacidade da linguagem na comunicação. Mas a
vida não é um romance, e, em democracia, o decisor é o povo, pelos seus
representantes. Haja, pois, confiança!
Maria Alzira Seixo
Centro de Estudos Comparatistas – FLUL
Centro de Estudos Comparatistas – FLUL
[Transcrição
integral de artigo de opinião publicado no jornal "Público" de 25.02.14
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
Sistema de ensino português não consegue reduzir assimetrias sociais- notícia publicada no Jornal Público de 19 de Fevereiro de 2014
Um texto do jornalista Samuel Silva, publicado no jornal Públio de ontem, cuja leitura merece a nossa atenção.
Os estudantes portugueses têm conseguido melhorar o seu desempenho nos testes PISA, um exercício repetido a cada três em três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Mas são sobretudo os filhos das famílias com empregos mais qualificados e por isso com mais recursos económicos que conseguem melhores resultados. A conclusão é de um novo estudo daquele organismo internacional, que compara os resultados dos alunos com as profissões dos pais. Portugal está longe de conseguir mitigar os efeitos das diferenças familiares nos percursos escolares, ao contrário do que fazem outros países.
No entanto, quando a análise se centra em países com piores resultados do que Portugal no último PISA, conseguem perceber-se resultados mais semelhantes entre os estudantes. É o que acontece com a Suécia, onde há notas mais próximas entre os filhos dos profissionais das várias áreas, Neste país e na Eslovénia, os trabalhadores do sector agrícola, florestal e das pescas, conseguem estar na média dos resultados dos seus países, ao passo que em Portugal ocupam as últimas posições.
Este estudo aponta o facto de existiram países onde essas diferenças conseguem ser ainda mais mitigadas. A Finlândia e o Japão são apontados pela OCDE como exemplos de sistemas escolares que conseguem fornecer educação de qualidade para todos os alunos, independentemente daquilo que os seus pais fazem para ganhar a vida. A organização internacional relaciona, de resto, os níveis de desempenho elevados alcançados por estes dois países com o facto de serem garantidas a mesma educação e estímulo a todas as crianças.
A OCDE sublinha no relatório que apesar de haver “uma forte relação” entre as ocupações dos pais e desempenho dos alunos no PISA, o facto de os alunos de em alguns sistemas de ensino, conseguirem superar os resultados de filhos de profissionais, independentemente do que seus pais fazem para ganhar a vida, “mostra que é possível que crianças de operários, se lhes forneceram as mesmas oportunidades de educação de alta qualidade que filhos de advogados e médicos desfrutam, tenham bons resultados".
Em Portugal, parece persistir um “vector de desigualdade e de assimetria muito forte”, sublinha a investigadora do Instituto de Educação da Universidade do Minho Fátima Araújo. As escolas têm dificuldades em trabalhar com crianças que provêm de famílias com níveis escolares muito baixos ou situações sociais e económicas desfavorecidas, explica. Isto acentua as consequências de uma “fractura geracional” evidente para as cerca de 1,5 milhões de pessoas que não têm mais do que o primeiro ciclo.
Fátima Araújo recorda também uma regularidade já realçada por outros investigadores portugueses que mostram que os resultados nacionais neste tipo de estudos estariam em linha com a média da OCDE e, em alguns casos, mesmo acima, desde que fosse mitigado o efeito das reprovações, que têm um peso muito forte no sistema educativo nacional. Os “chumbos” têm “uma incidência muito elevada em estudantes de famílias que têm níveis escolares muito baixos”.
A OCDE baseia-se nos resultados do PISA 2012, que tinham sido divulgado em Dezembro, e que têm por base testes realizado por cerca de 510 mil estudantes de 15 anos, dos quais 5700 em Portugal. Nessa ocasião foi perguntado aos alunos qual a ocupação profissional dos seus pais e o estudo agora apresentado cruza as duas variáveis, tentando perceber a sua relação.
Apesar de continuarem abaixo da média das OCDE nos três testes realizados os resultados dos alunos portugueses foram sublinhados por aquele organismo internacional, uma vez que fora os que registaram uma melhoria de performance mais evidente na última década. A Matemática continua a ser a disciplina em que os estudantes nacionais têm piores resultados –obtiveram 487 pontos, sendo a média geral de 494. Na leitura, os portugueses tiveram 488 (a média geral foi de 496) e a ciências mais um ponto (a média é também a mais alta, 501).
Os resultados desta nova análise agora tornados públicos podem ser consultados através de um dispositivo interactivo – disponível em http://beta.icm.edu.pl/PISAoccupations2012/ - onde é possível conhecer o diagnóstico de cada um dos países que participou nos PISA 2012 e estabelecer comparações entre países, tendo em conta os resultados dos estudantes participantes nos testes de leitura, matemática e ciência e as ocupações dos seus pais.
Essa ferramenta permite, por exemplo, perceber a existência de diferenças geográficas nos resultados. Olhando para os resultados em matemática, por exemplo, os filhos de pessoas que trabalham em limpezas em Xangai ou Singapura conseguem ter resultados superiores aos dos norte-americanos que são filhos de “profissionais” – uma categoria que agrupa trabalhadores qualificados em áreas como a saúde, educação, ciência e gestão. O PISA revela ainda que os Estados Unidos e o Reino Unido, países onde estes profissionais estão entre os mais bem pagos do mundo, não têm tão bons resultados a matemática como os trabalhadores destas áreas profissionais noutros países do mundo.
Os estudantes portugueses têm conseguido melhorar o seu desempenho nos testes PISA, um exercício repetido a cada três em três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Mas são sobretudo os filhos das famílias com empregos mais qualificados e por isso com mais recursos económicos que conseguem melhores resultados. A conclusão é de um novo estudo daquele organismo internacional, que compara os resultados dos alunos com as profissões dos pais. Portugal está longe de conseguir mitigar os efeitos das diferenças familiares nos percursos escolares, ao contrário do que fazem outros países.
O estudo publicado na terça-feira usa uma
classificação que agrupa empregos e tarefas semelhantes. A OCDE
considera os gestores como os profissionais mais classificados, seguidos
da categoria “profissionais” – que agrupa trabalhadores qualificados em
áreas como a saúde, educação, ciência e gestão. Os filhos de
trabalhadores destes dois grupos lideram os resultados na generalidade
dos países e Portugal não é excepção. Independentemente da disciplina em
análise – leitura, matemática ou ciência, os três testes feitos pelo
PISA – os filhos dos “profissionais” têm sempre os melhores resultados,
seguidos dos filhos dos gestores. Os estudantes cujos pais têm
profissões técnicas qualificadas aparecem logo a seguir.
No
extremo oposto, aparecem os resultados dos alunos cujos pais têm
profissões “elementares” na classificação usada pela OCDE, bem como os
trabalhadores manuais e os profissionais dos sectores agrícola,
florestal e das pescas. Quando se compara os resultados de Portugal com
países que têm melhores resultados que os seus, como a Polónia ou a
Alemanha, percebe-se que se mantém alguma regularidade, mantendo as
mesmas posições relativas entre grupos profissionais e a dispersão dos
resultados.No entanto, quando a análise se centra em países com piores resultados do que Portugal no último PISA, conseguem perceber-se resultados mais semelhantes entre os estudantes. É o que acontece com a Suécia, onde há notas mais próximas entre os filhos dos profissionais das várias áreas, Neste país e na Eslovénia, os trabalhadores do sector agrícola, florestal e das pescas, conseguem estar na média dos resultados dos seus países, ao passo que em Portugal ocupam as últimas posições.
Este estudo aponta o facto de existiram países onde essas diferenças conseguem ser ainda mais mitigadas. A Finlândia e o Japão são apontados pela OCDE como exemplos de sistemas escolares que conseguem fornecer educação de qualidade para todos os alunos, independentemente daquilo que os seus pais fazem para ganhar a vida. A organização internacional relaciona, de resto, os níveis de desempenho elevados alcançados por estes dois países com o facto de serem garantidas a mesma educação e estímulo a todas as crianças.
A OCDE sublinha no relatório que apesar de haver “uma forte relação” entre as ocupações dos pais e desempenho dos alunos no PISA, o facto de os alunos de em alguns sistemas de ensino, conseguirem superar os resultados de filhos de profissionais, independentemente do que seus pais fazem para ganhar a vida, “mostra que é possível que crianças de operários, se lhes forneceram as mesmas oportunidades de educação de alta qualidade que filhos de advogados e médicos desfrutam, tenham bons resultados".
Em Portugal, parece persistir um “vector de desigualdade e de assimetria muito forte”, sublinha a investigadora do Instituto de Educação da Universidade do Minho Fátima Araújo. As escolas têm dificuldades em trabalhar com crianças que provêm de famílias com níveis escolares muito baixos ou situações sociais e económicas desfavorecidas, explica. Isto acentua as consequências de uma “fractura geracional” evidente para as cerca de 1,5 milhões de pessoas que não têm mais do que o primeiro ciclo.
Fátima Araújo recorda também uma regularidade já realçada por outros investigadores portugueses que mostram que os resultados nacionais neste tipo de estudos estariam em linha com a média da OCDE e, em alguns casos, mesmo acima, desde que fosse mitigado o efeito das reprovações, que têm um peso muito forte no sistema educativo nacional. Os “chumbos” têm “uma incidência muito elevada em estudantes de famílias que têm níveis escolares muito baixos”.
A OCDE baseia-se nos resultados do PISA 2012, que tinham sido divulgado em Dezembro, e que têm por base testes realizado por cerca de 510 mil estudantes de 15 anos, dos quais 5700 em Portugal. Nessa ocasião foi perguntado aos alunos qual a ocupação profissional dos seus pais e o estudo agora apresentado cruza as duas variáveis, tentando perceber a sua relação.
Apesar de continuarem abaixo da média das OCDE nos três testes realizados os resultados dos alunos portugueses foram sublinhados por aquele organismo internacional, uma vez que fora os que registaram uma melhoria de performance mais evidente na última década. A Matemática continua a ser a disciplina em que os estudantes nacionais têm piores resultados –obtiveram 487 pontos, sendo a média geral de 494. Na leitura, os portugueses tiveram 488 (a média geral foi de 496) e a ciências mais um ponto (a média é também a mais alta, 501).
Os resultados desta nova análise agora tornados públicos podem ser consultados através de um dispositivo interactivo – disponível em http://beta.icm.edu.pl/PISAoccupations2012/ - onde é possível conhecer o diagnóstico de cada um dos países que participou nos PISA 2012 e estabelecer comparações entre países, tendo em conta os resultados dos estudantes participantes nos testes de leitura, matemática e ciência e as ocupações dos seus pais.
Essa ferramenta permite, por exemplo, perceber a existência de diferenças geográficas nos resultados. Olhando para os resultados em matemática, por exemplo, os filhos de pessoas que trabalham em limpezas em Xangai ou Singapura conseguem ter resultados superiores aos dos norte-americanos que são filhos de “profissionais” – uma categoria que agrupa trabalhadores qualificados em áreas como a saúde, educação, ciência e gestão. O PISA revela ainda que os Estados Unidos e o Reino Unido, países onde estes profissionais estão entre os mais bem pagos do mundo, não têm tão bons resultados a matemática como os trabalhadores destas áreas profissionais noutros países do mundo.
Namora uma rapariga que lê
«Namora uma
rapariga que lê. Namora uma rapariga que gaste o dinheiro em livros, em vez de
roupas. Ela tem problemas de arrumação porque tem demasiados livros. Namora uma
rapariga que tenha uma lista de livros que quer ler, que tenha um cartão da
biblioteca desde os doze anos.
Encontra uma rapariga que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro por ler na mala. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um grito impercetível ao encontrar o livro que queria. Vês aquela miúda com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros em segunda mão? É a leitora. Nunca resistem a cheirar as páginas, especialmente quando ficam amarelas.
Ela é a rapariga que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a chávena, vês que a espuma do leite ainda paira à superfície, porque ela já está absorta. Perdida num mundo feito pelo autor. Senta-te. Ela pode ver-te de relance, porque a maior parte das raparigas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunta-lhe se está a gostar do livro.
Oferece-lhe outra chávena de café com leite.
Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entende que, se ela disser ter percebido o Ulisses de James Joyce, é só para soar inteligente. Pergunta-lhe se gosta da Alice ou se gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar com uma rapariga que lê. Oferece-lhe livros no dia de anos, no Natal e em datas de aniversários. Oferece-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Oferece-lhe Neruda, Pound, Sexton, Cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Percebe que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade – mas, caramba, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco com o seu livro favorito. Se ela conseguir, a culpa não será tua.
Ela tem de arriscar, de alguma maneira.
Mente-lhe. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo.
Desilude-a. Porque uma rapariga que lê compreende que falhar conduz sempre ao clímax. Porque essas raparigas sabem que todas as coisas chegam ao fim. Que podes sempre escrever uma sequela. Que podes começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.
Porquê assustares-te com tudo o que não és? As raparigas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto na saga Crepúsculo.
Se encontrares uma rapariga que leia, mantém-na perto de ti. Quando a vires acordada às duas da manhã, a chorar e a apertar um livro contra o peito, faz-lhe uma chávena de chá e abraça-a. Podes perdê-la por um par de horas, mas ela volta para ti. Falará como se as personagens do livro fossem reais, porque são mesmo, durante algum tempo.
Vais declarar-te num balão de ar quente. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Pelo Skype.
Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das vossas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar os vossos filhos ao Gato do Chapéu e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da vossa velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das tuas botas.
Namora uma rapariga que lê, porque tu mereces. Mereces uma rapariga que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. Se só lhe podes oferecer monotonia, horas requentadas e propostas mal cozinhadas, estás melhor sozinho. Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma rapariga que lê.
Ou, melhor ainda, namora uma rapariga que escreve.»
(Texto de Rosemarie Urquico. Tradução "não oficial" de Carla Maia de Almeida para celebrar o Dia Mundial do Livro, 23 de Abril de 2011. Republicado no dia 14 de Fevereiro de 2014, et pour cause...)
Encontra uma rapariga que lê. Vais saber que é ela, porque anda sempre com um livro por ler na mala. É aquela que percorre amorosamente as estantes da livraria, aquela que dá um grito impercetível ao encontrar o livro que queria. Vês aquela miúda com ar estranho, cheirando as páginas de um livro velho, numa loja de livros em segunda mão? É a leitora. Nunca resistem a cheirar as páginas, especialmente quando ficam amarelas.
Ela é a rapariga que lê enquanto espera no café ao fundo da rua. Se espreitares a chávena, vês que a espuma do leite ainda paira à superfície, porque ela já está absorta. Perdida num mundo feito pelo autor. Senta-te. Ela pode ver-te de relance, porque a maior parte das raparigas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunta-lhe se está a gostar do livro.
Oferece-lhe outra chávena de café com leite.
Diz-lhe o que realmente pensas do Murakami. Descobre se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entende que, se ela disser ter percebido o Ulisses de James Joyce, é só para soar inteligente. Pergunta-lhe se gosta da Alice ou se gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar com uma rapariga que lê. Oferece-lhe livros no dia de anos, no Natal e em datas de aniversários. Oferece-lhe palavras como presente, em poemas, em canções. Oferece-lhe Neruda, Pound, Sexton, Cummings. Deixa-a saber que tu percebes que as palavras são amor. Percebe que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade – mas, caramba, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco com o seu livro favorito. Se ela conseguir, a culpa não será tua.
Ela tem de arriscar, de alguma maneira.
Mente-lhe. Se ela compreender a sintaxe, vai perceber a tua necessidade de mentir. Atrás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. Nunca será o fim do mundo.
Desilude-a. Porque uma rapariga que lê compreende que falhar conduz sempre ao clímax. Porque essas raparigas sabem que todas as coisas chegam ao fim. Que podes sempre escrever uma sequela. Que podes começar outra vez e outra vez e continuar a ser o herói. Que na vida é suposto existir um vilão ou dois.
Porquê assustares-te com tudo o que não és? As raparigas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto na saga Crepúsculo.
Se encontrares uma rapariga que leia, mantém-na perto de ti. Quando a vires acordada às duas da manhã, a chorar e a apertar um livro contra o peito, faz-lhe uma chávena de chá e abraça-a. Podes perdê-la por um par de horas, mas ela volta para ti. Falará como se as personagens do livro fossem reais, porque são mesmo, durante algum tempo.
Vais declarar-te num balão de ar quente. Ou durante um concerto de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Pelo Skype.
Vais sorrir tanto que te perguntarás por que é que o teu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Juntos, vão escrever a história das vossas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos ainda mais estranhos. Ela vai apresentar os vossos filhos ao Gato do Chapéu e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos da vossa velhice e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto tu sacodes a neve das tuas botas.
Namora uma rapariga que lê, porque tu mereces. Mereces uma rapariga que te pode dar a vida mais colorida que consegues imaginar. Se só lhe podes oferecer monotonia, horas requentadas e propostas mal cozinhadas, estás melhor sozinho. Mas se queres o mundo e os mundos que estão para além do mundo, então, namora uma rapariga que lê.
Ou, melhor ainda, namora uma rapariga que escreve.»
(Texto de Rosemarie Urquico. Tradução "não oficial" de Carla Maia de Almeida para celebrar o Dia Mundial do Livro, 23 de Abril de 2011. Republicado no dia 14 de Fevereiro de 2014, et pour cause...)
Texto recolhido no blogue O Jardim Assombrado.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
GONÇALO M. TAVARES em "Casino das Letras" na Figueira da Foz
Gonçalo M. Tavares esteve no "Casino das
Letras", uma parceria entre a Sociedade Portuguesa de Autores e o Casino
da Figueira da Foz.
Gonçalo M. Tavares nasceu em 1970, em Luanda. Passou a
sua infância em Aveiro. Publicou a sua primeira obra em dezembro de 2001.
Editou romances, contos, ensaio, poesia e teatro.
Em Portugal recebeu vários prémios, entre os quais: o
Prémio José Saramago 2005 e o Prémio LER/Millennium BCP 2004, com o romance
Jerusalém; o Grande Prémio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores
"Camilo Castelo Branco" com Água, Cão, Cavalo, Cabeça.
Prémios internacionais: Prémio Portugal Telecom 2007
(Brasil); Prémio Internazionale Trieste.
Informação recolhida no sítio da Sociedade Portuguesa de Autores.Para saber mais, leia aqui.
Para saber mais sobre Gonçalo M Tavares, aceda aqui ao seu blogue.
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