Esta criança esquálida,
De risco obsceno e olhares alucinados,
Nunca apertou nas mão a fria face pálida,
Nunca sentiu, na escada, as botas dos soldados,
Nunca enxugou as lágrimas que aniquilam e esgotam, nunca empalideceu com o metralhar de um tanque,
Nem rastejei num sótão,
Nem se chama Anne Frank.
Nunca escreveu diário nem nunca foi à escola,
Nem despertou o amor dos editores piedosos.
Nunca estendeu as mãos em transes dolorosos
A não ser nos primores da técnica da esmola.
Batem-lhe, pisam-na, insultam-na, sem que ninguém se importe.
E ela, raivosa e pálida,
Morde, estrebucha, cospe, odeia até à morte.
Pobre criança esquálida!
Até no sofrimento é preciso ter sorte.
António Gedeão, Poesias Completas
O SAPATO
A Cinderela não vem
atearam fogo ao seu cabelo
o seu pulmão respira agora
nuvens lentas, os seus pés
não têm peso
Aguarda a chinela
a Cinderela ausente
espera imóvel
o frio de não ter
a carne de um pé dentro
e espera
à frente de um exército
de silêncios.
J. T. Parreira
atearam fogo ao seu cabelo
o seu pulmão respira agora
nuvens lentas, os seus pés
não têm peso
Aguarda a chinela
a Cinderela ausente
espera imóvel
o frio de não ter
a carne de um pé dentro
e espera
à frente de um exército
de silêncios.
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