terça-feira, 23 de abril de 2013

Texto de Fiplipa Leal sobre o prazer da leitura


Herdei o prazer da leitura da minha mãe de Filipa Leal

 
Todos os meses, desde que me lembro de existir, chegava o catálogo do Círculo de Leitores e a minha mãe escolhia um livro para ela e deixava-me escolher um livro para mim. Sem censura. Sem rede. Foram as primeiras escolhas livres da minha vida, antes mesmo de saber escolher.
A minha mãe encomendava «O Marinheiro de Gibraltar» da Duras e eu pedia «A História do Senhor Sommer», de Patrick Suskind; e quando a minha mãe encomendava «Na Outra Margem entre as Árvores», de Hemingway, eu pedia, da Biblioteca Hitchcock, «Dia Difícil no Cadafalso». Íamos lado a lado, como sempre, descobrindo tudo. E o prazer daquela escolha, daquela liberdade, tornava ainda maior o meu prazer da leitura.
Chegou entretanto o dia, o mês, o ano, em que tínhamos escolhido o mesmo livro: «As Minhas Aventuras na República Portuguesa», do Miguel Esteves Cardoso. Ríamos da “Aventura dos Chumaços”; comovíamo-nos com o prefácio que começava assim: “Começar é fácil. Acabar é mais fácil ainda”.
A minha mãe deixou-nos há dias, para sempre.
O senhor que lhe trazia o catálogo do Círculo de Leitores voltou esta semana, e o meu irmão não soube o que lhe dizer. O senhor, se não me engano, é o mesmo há 25 anos. Eu era mais ou menos a mesma há 33, eu e os meus irmãos: filhos de uma mulher sublime que fez tudo para que atravessássemos a vida em liberdade. E com prazer.

Sem comentários:

Enviar um comentário