sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Em Louvor das Bibliotecas de Carlos Fiolhais

Transcrevemos aqui, na íntegra, um texto de Carlos Fiolhais, publicado na colectânea de crónicas "Engenho Luso e Outras Crónicas", por o considerarmos adequado ao protagonismo que as bibliotecas escolares assumem neste Mês Internacional da Biblioteca Escolar. Ainda que não seja um texto actual, o assunto que aborda continua na ordem do dia. Talvez até ganhe uma maior dimensão no contexto presente marcado por graves  e profundos desconcertos sociais. A reflexão que desenvolve nesta crónica, escrita para o Jornal Público, em 2008, gira em torno das bibliotecas públicas americanas. A realidade das bibliotecas escolares não é directamente aflorada. No entanto, o propósito de umas e de outras é idêntico: facultar aos seus utilizadores recursos de conhecimento, em diferentes suportes, que  lhes permitam crescer intelectualmente.
A referência ao mecenato que sustenta as bibliotecas públicas amercianas é outro bom exemplo da participação da sociedade civil na vida comunitária. Afinal, o serviço público que as bibliotecas prestam, deve ser incentivado não apenas pelo estado, mas também por aqueles que mais possuem.
Desfrutem do texto que a seguir se transcreve.

 Escrevo de Nova Orleães, no sul da América do Norte. Foi aqui que vivi em 1990-1991, ao tempo da guerra do Golfo. Lembro-me da excitação que era ler o Público, na altura recém-nascido (parabéns, Público, pelos dezoito anos!), apesar de demorar cinco dias a chegar. À época não havia World Wide Web (a Internet era muito primitiva, com e-  -mails só de texto). Nem portáteis ultraleves. Nem wireless. Hoje escrevo de uma esplanada à beira do imponente Mississipi, num pequeno laptop de onde posso consultar sem fios, em fracções de segundo, o Público online. O progresso da tecnologia sempre foi um bom indicador da passagem do tempo.
     Ao ler o New York Times (o melhor jornal do mundo, o Público que me perdoe), encontro o assunto para esta crónica. Não, não é a notícia da recusa de Obama em ser o número dois da senhora Clinton, o que é natural porque a proposta veio de quem está, neste momento, em segundo lugar na corrida democrata para a presidência. Também não é o título, infelizmente banal, de mais mortos na guerra do Iraque. E também não é a caixa da primeira página sobre o governador do estado de Nova Iorque, que era afinal o «Cliente 9» de uma rede de prostituição de luxo (de facto, não sei como casos destes ainda são notícia, depois de tantas novidades parecidas).
    A minha atenção ficou presa num outro destaque, que aqui destaco: o anúncio da dádiva de cem milhões de dólares à Biblioteca Pública de Nova Iorque por Stephen Schwarzman, um magnata que fez fortuna na Wall Street. Esta grande biblioteca, com sede num prédio histórico da Quinta Avenida, tem um ambicioso projecto de mil milhões de dólares, o billion americano, para ampliar e renovar completamente as suas instalações, estando a recolher donativos individuais. Cem milhões de dólares de um só indivíduo, mesmo com o euro em alta, são muitos euros! Mas esse valor mostra o prestígio que o mecenato de uma biblioteca pública dá a uma pessoa rica, no país mais rico do mundo. Que as bibliotecas são dos bens mais estimados nos Estados Unidos mostra-o o facto de os seus ex - presidentes serem honrados com a atribuição do seu nome a uma biblioteca. Hillary quer, justamente, uma biblioteca com o seu nome, tal como o marido já tem. E Obama não quer ser segundo bibliotecário!
     Com o progresso das tecnologias da informação, as bibliotecas mudaram muito nos últimos dezoito anos. Agora são também virtuais. Daqui consigo entrar não só nos catálogos da Biblioteca de Nova Iorque como, também, em muitas das suas obras. Mas as bibliotecas não deixaram, por isso, de ser reais: palácios à espera de quem entre neles para descobrir os seus tesouros. Hoje, como ontem, as bibliotecas são indispensáveis ao nosso enriquecimento. As melhores universidades americanas distinguem-se precisamente por terem as maiores e melhores bibliotecas. Tendo sobrevivido à fúria do furacão Katrina, a Howard-Tilton Library (o nome é de dois dos seus maiores beneméritos) da Tulane University continua aqui, hoje como há dezoito anos, a fazer-me feliz.
      Um outro bom indicador da passagem do tempo é o aumento do número de livros publicados. A Biblioteca de Nova Iorque quer, por isso, «soterrar» uma porção das suas enormíssimas colecções, desejavelmente acessíveis sob a forma digital, e abrir mais espaço ao público. Como biblioteca da cidade, quer servir melhor um número maior de cidadãos. Combinando o real e o virtual, quer ser um lugar agradável para toda a comunidade, a começar pelas crianças e jovens. Porque são as bibliotecas públicas tão importantes? Porque são tão louváveis? Porque, tal como as escolas, são espaços de inclusão. São lugares onde se cresce intelectual, académica e profissionalmente. Por exemplo, sessenta por cento do público de uma das sucursais da Biblioteca de Nova Iorque, no Bronx, são afro-americanos desfavorecidos. Declarou Schwarzman ao jornal: «A biblioteca ajuda pessoas de baixo e médio rendimento -  emigrantes a realizar o sonho americano.» Uma lição para todos!

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