terça-feira, 15 de novembro de 2011

Carta de Hergé ao Tintin

Num tempo em que o cinema recupera o herói da banda desenhada Tintin, vale a pena ler a carta que o seu criador Hergé lhe dirigiu.

Meu Querido Tintin

Já há 35 anos que és meu filho, e é a primeira vez que te escrevo.
Quis, acima de tudo, que vivesses a tua vida. Vinte vezes partiste, para correr mundo. Durante esse tempo eu, de lápis na mão, e toneladas de papel à frente, sonhei com as tuas aventuras.
Assim, desde sempre, estivemos muito separados; e, simultaneamente, unidos pelos laços mais fortes que podem unir dois seres. Tenho o hábito frequente de me “corresponder” contigo, mas não por carta. Daí esta insegurança, esta leve emoção que sinto ao pegar na caneta para te escrever. Intimidas-me, Tintin!
Se me orgulho de ti?... É claro que me orgulho. Tens-me dado grandes alegrias, muitos sustos também, mas nunca o menor motivo de tristeza ou de descontentamento. Já houve um tempo – o da minha juventude – em que só queria era ser parecido contigo. Teria gostado de ter sido um herói sem medo e irrepreensível. Mas infelizmente foi uma ilusão, que há muito se esfumou… Já não transporto a palavra evangélica: “Sede perfeito, como o vosso filho é perfeito”.
Perfeito: se alguém o é, esse alguém és tu. Deveria sentir-me derrotado, rendido. Então porque esta sensação de estar levemente desiludido? Exactamente por seres demasiado perfeito.
Como é que eu, homem normal, nascido de pais normais, tive um filho que não é “como os outros”? Que pensas tu disto? Porque é que há em ti qualquer coisa (como explicar?...) que não é totalmente “humana”?
Coloquei grandes esperanças no Capitão Haddock. À força de andarem juntos, vocês os dois, ele deveria ter-se tornado, fatalmente, mais polido, e foi exactamente isso que não aconteceu; e tu, tu não te deixaste contagiar por nenhuma das suas grosserias, nenhuma das suas fraquezas, tu não lhe tomaste nada, nem mesmo um dedo de whisky.
Mas vou ficar-me por aqui: o meu punho foi suspenso por um anjo, colega daquele que por vezes avisa Milou de que é melhor não ir mais longe. Lançar-te numa carreira (ou por outras palavras, o jornalismo, na realidade a “chevalerie”): tenho o direito de o fazer. Mas, não é o papel de um pai guiar o próprio filho na escolha dos seus defeitos!
Salvé, meu pequeno garoto! Direi mesmo mais: salvé!
                                                                                                   
                                                                                                        Hergé
 

Mon cher Tintin  
Il y a déjà 35 ans que tu es mon fils, et c'est la première fois que je t’écris.
J’ai voulu, avant tout, que tu vives ta vie. Vingt fois tu es parti afin de parcourir le monde. Pendant ce temps, moi, crayon en main, et des tonnes de papiers devant moi, j'ai rêvé tes aventures.
Ainsi, depuis toujours, nous avons été séparés; et, simultanément, unis par les liens les plus forts qui peuvent unir deux êtres. J'ai l’habitude de me "correspondre" avec toi, mais pas par lettre. D'où cette insécurité, cette émotion légère que je ressens quand je prends la plume pour t’écrire.Tu m'intimides, Tintin!
Si je suis fier de toi?... Bien sûr que je suis fier. Tu me donnes de grandes joies, beaucoup de peurs aussi, mais jamais la moindre raison de tristesse ou de mécontentement. Il fut un temps - celui de ma jeunesse – où je voulais justement être comme toi. J'aurais aimé avoir été un héros sans peur et irrepreensible. Mais malheureusement, c'est une illusion qui a disparu depuis longtemps... Je ne supporte plus la parole de l'Évangile: ". Soyez parfaits, comme votre enfant est parfait»
Parfait: si quelqu'un l’est, ce quelqu’un c'est toi. Je devrais me sentir vaincu, me rendre. Alors pourquoi ce sentiment d'être un petit peu déçu? Justement parce que tu es trop parfait.
Comment moi, un homme normal, né de parents normaux, j’ai un fils qui n'est pas «comme les autres»? Que penses-tu de cela? Pourquoi il y a-t-il en toi quelque chose (comment expliquer? ...) qui n'est pas entièrement «humaine»?
J'ai mis de grands espoirs sur le capitaine Haddock. A force de marcher ensemble, vous deux, il aurait dû devenir, inévitablement, plus poli, et c'est exactement ce qui n'est pas arrivé, et toi, tu ne t’es laissé infecté par aucune de ses grossièretés, aucune de ses faiblesses, tu ne lui as rien pris, même pas un doigt de whisky.
Mais je vais rester ici: ma main a été arrêtée par un ange, un collègue de celui qui parfois avertit Milou qu’il vaut mieux ne pas aller plus loin. Te lancer dans une carrière (ou en d'autres termes, le journalisme, en fait la «Chevalerie»): j’ai le droit de le faire. Mais, ce n'est pas le rôle d'un père de guider son propre fils dans le choix de ses défauts!
Salut, mon petit garçon! Je dirai même plus: Vive!
                                                                                                   
Hergé

Tradução feita pelas professoras de Francês da Escola Infante D.Pedro, Carla Santos e Paula Ângela

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